Parte IV de VI . Agosto 2017
01.08.2017, Rogério
Dizias-me em Abril, quando iniciámos este diálogo, que gostavas que esta curadoria fosse “uma curadoria de processos, de obsessões, de pesquisas, de práticas e de encontros, entre artistas e com diferentes públicos e contextos.” Ainda antes da estreia das peças incluídas no programa Ballet // Contemporâneo // Norte (agendadas para Setembro), vai iniciar-se a 15 de Agosto um novo processo, desta vez com a coreógrafa Elisabete Finger, com vista à criação de uma peça para crianças. Como se partilham processos, obsessões e pesquisas com um público (dito) infantil? Ou então: como enquadras a necessidade de inclusão desta configuração etária no corpo do teu programa curatorial? Ou ainda (e é esta, na verdade, a minha maior curiosidade mascarada de provocação): que sentido faz (para lá daquele mais evidente que advém de uma necessidade inequivocamente institucional e/ou “de mercado”) investir-se em espectáculos direccionados para crianças?
09.08.2017, Dinis
O convite à Elisabete Finger para desenvolver este trabalho surge de uma relação prolongada do BCN com o público infantil de Santa Maria da Feira, para o qual desenvolve uma nova criação todos os anos. O convite é uma resposta da minha parte a esse contexto que já existe, e que faz parte da missão e estrutura do BCN. Nos últimos anos, a Elisabete tem desenvolvido um trabalho para crianças que propõe a meu ver um encontro sensorial com aquilo a que eu chamaria uma espécie de feminismo da matéria, que expõe, ao mesmo tempo que ficciona, as texturas do corpo, o escatológico e o sensorial, em vez de o esconder, como propõem os falsos pudores da heteronormatividade. As suas peças projectam e amplificam o corpo com os seus fluidos, texturas, densidades e movimentos internos, em paisagens cénicas que nos pacificam com a corporalidade do corpo. Isto parece-me essencial numa sociedade que nos sugere demasiadas vezes o corpo como um lugar sujo, onde tantas coisas parecem ter que ser escondidas. As peças da Elisabete são, pelo contrário, uma celebração dos acontecimentos e das matérias do corpo que me pareceu urgente trazer às crianças que acompanham o BCN.
09.08.2017, Rogério
Como será feita a aproximação deste trabalho ao público infantil de Santa Maria da Feira? Seguindo a atitude de revelação/ampliação de linhas discursivas presentes na tua curadoria que possam ser menos visíveis, interessa-me conhecer uma possível ligação do projecto da Elisabete Finger com o contexto onde o mesmo será criado e apresentado. Poderias desvendar um pouco mais sobre isso?
14.08.2017, Dinis
Não existe da minha parte nenhuma ambição de referenciar o contexto com esta proposta. Muito pelo contrário. O convite à Elisabete Finger, assim como os convites aos outros coreógrafos do programa que desenhei, surgem mais de uma lógica de trazer o que não está lá, propostas que mostram uma coisa que me parece não existir em Portugal, ou em Santa Maria da Feira. São convites a outras maneiras de fazer, sem qualquer pretensão didáctica, mas antes uma variação de perspectiva; não convido estas outras perspectivas e metodologias com o intuito de que elas nos vão ensinar a dançar, ou a fazer espectáculos de dança, ou a dar um workshop. Nós temos as nossas narrativas, as nossas Histórias, as nossas metodologias e as nossas estéticas diversas, que me parecem bem consistentes. Mas uma forma de fazer nasce e responde sempre a um contexto. Criar variações nesse contexto é necessariamente convidar-se a si mesmo a responder de uma outra maneira. Enquanto coreógrafo, fiz esse exercício num projecto chamado “BARCO Dance Collection”, onde me encontrei com as práticas de outros 16 coreógrafos de forma a interrogar a minha própria prática. Neste programa que propus para o BCN, por sua vez, e dentro do mesmo tipo de exercício, não estou a convidar coreógrafos a responderem a um contexto local com a companhia do BCN, mas antes a convidar o BCN a responder a um contexto de coreógrafos para e com um público local.
01.08.2017, Rogério
Dizias-me em Abril, quando iniciámos este diálogo, que gostavas que esta curadoria fosse “uma curadoria de processos, de obsessões, de pesquisas, de práticas e de encontros, entre artistas e com diferentes públicos e contextos.” Ainda antes da estreia das peças incluídas no programa Ballet // Contemporâneo // Norte (agendadas para Setembro), vai iniciar-se a 15 de Agosto um novo processo, desta vez com a coreógrafa Elisabete Finger, com vista à criação de uma peça para crianças. Como se partilham processos, obsessões e pesquisas com um público (dito) infantil? Ou então: como enquadras a necessidade de inclusão desta configuração etária no corpo do teu programa curatorial? Ou ainda (e é esta, na verdade, a minha maior curiosidade mascarada de provocação): que sentido faz (para lá daquele mais evidente que advém de uma necessidade inequivocamente institucional e/ou “de mercado”) investir-se em espectáculos direccionados para crianças?
09.08.2017, Dinis
O convite à Elisabete Finger para desenvolver este trabalho surge de uma relação prolongada do BCN com o público infantil de Santa Maria da Feira, para o qual desenvolve uma nova criação todos os anos. O convite é uma resposta da minha parte a esse contexto que já existe, e que faz parte da missão e estrutura do BCN. Nos últimos anos, a Elisabete tem desenvolvido um trabalho para crianças que propõe a meu ver um encontro sensorial com aquilo a que eu chamaria uma espécie de feminismo da matéria, que expõe, ao mesmo tempo que ficciona, as texturas do corpo, o escatológico e o sensorial, em vez de o esconder, como propõem os falsos pudores da heteronormatividade. As suas peças projectam e amplificam o corpo com os seus fluidos, texturas, densidades e movimentos internos, em paisagens cénicas que nos pacificam com a corporalidade do corpo. Isto parece-me essencial numa sociedade que nos sugere demasiadas vezes o corpo como um lugar sujo, onde tantas coisas parecem ter que ser escondidas. As peças da Elisabete são, pelo contrário, uma celebração dos acontecimentos e das matérias do corpo que me pareceu urgente trazer às crianças que acompanham o BCN.
09.08.2017, Rogério
Como será feita a aproximação deste trabalho ao público infantil de Santa Maria da Feira? Seguindo a atitude de revelação/ampliação de linhas discursivas presentes na tua curadoria que possam ser menos visíveis, interessa-me conhecer uma possível ligação do projecto da Elisabete Finger com o contexto onde o mesmo será criado e apresentado. Poderias desvendar um pouco mais sobre isso?
14.08.2017, Dinis
Não existe da minha parte nenhuma ambição de referenciar o contexto com esta proposta. Muito pelo contrário. O convite à Elisabete Finger, assim como os convites aos outros coreógrafos do programa que desenhei, surgem mais de uma lógica de trazer o que não está lá, propostas que mostram uma coisa que me parece não existir em Portugal, ou em Santa Maria da Feira. São convites a outras maneiras de fazer, sem qualquer pretensão didáctica, mas antes uma variação de perspectiva; não convido estas outras perspectivas e metodologias com o intuito de que elas nos vão ensinar a dançar, ou a fazer espectáculos de dança, ou a dar um workshop. Nós temos as nossas narrativas, as nossas Histórias, as nossas metodologias e as nossas estéticas diversas, que me parecem bem consistentes. Mas uma forma de fazer nasce e responde sempre a um contexto. Criar variações nesse contexto é necessariamente convidar-se a si mesmo a responder de uma outra maneira. Enquanto coreógrafo, fiz esse exercício num projecto chamado “BARCO Dance Collection”, onde me encontrei com as práticas de outros 16 coreógrafos de forma a interrogar a minha própria prática. Neste programa que propus para o BCN, por sua vez, e dentro do mesmo tipo de exercício, não estou a convidar coreógrafos a responderem a um contexto local com a companhia do BCN, mas antes a convidar o BCN a responder a um contexto de coreógrafos para e com um público local.