OUTROS FORMATOS, OUTRAS QUESTÕES
Conversa virtual moderada por Dinis
Machado, Diogo Mendes, Flávio Leihan, Inês Nogueira, Jorge Gonçalves, Renata
Portas, Rogério Nuno Costa, Sérgio Diogo Matias, Sade Risku e Susana Otero, com
participação de todos eles e edição de Rogério Nuno Costa.
TESE. “Outros Formatos” desafia artistas
(não necessariamente coreógrafos) a questionar os seus modos de produção e as
suas metodologias artísticas. Até onde é que permitiste que a essência deste
programa alterasse os teus modelos de criação, os teus mais insistentes lugares
comuns, as tuas zonas de conforto?
Rogério Nuno Costa | Este diálogo, que é também uma entrevista-em-diferido
e uma troca de impressões (via e-mail) fugaz e quase impulsiva, é tão experimental
quanto o programa do Ballet Contemporâneo do Norte sobre o qual se debruça. Propõe-se
a um paradoxo textual que me interessa e que tem assistido a (quase) todas as
minhas contribuições enquanto documentador
no contexto desta companhia: a ficcionalização de uma conversa “real” através
da ampliação processual da sua virtualidade, quiçá da sua impossibilidade. Ou
sobre os desafios e os obstáculos que se colocam à criação, e posterior
textualização, de um pensamento colectivo. Neste contexto, interessa-me a
radicalização dos processos de provocação
(a escolha desta palavra não é inocente...) que alicerçam toda e qualquer
discussão. Consequentemente, interessam-me as contradições e as incongruências
subjacentes a uma experiência habitada “tectonicamente” por pessoas muito distintas,
elevando a inevitabilidade da falha e do atrito a uma sublimação que oblitere
esse filtro do Instagram designado de sucesso
(é cosmética, não existe!). Em processo algum “correrá sempre tudo bem”,
impossibilidade teórica que se torna na raison
d’être de qualquer programa laboratorial que tem no risco a sua base
estruturante. E é esse o paradoxo deste texto, se calhar também do programa
“Outros Formatos” — perceber como (e se) podemos discutir em conjunto, mesmo
quando já só estamos a falar sozinhos...
Sérgio Diogo Matias | É quase impossível não nos deixarmos afectar
pelas características deste projecto. Apesar da minha proposta coreográfica
partir de um sítio muito específico, fui sempre tentando limar as arestas dos
meu desejos e ímpetos de forma a respeitar o carácter do projecto, nomeadamente
no que diz respeito ao tempo de criação, às condições técnicas e, obviamente,
às pessoas com quem trabalhei. Pude experimentar esse exercício nos papéis de
criador e de intérprete, entendendo o acto criativo como um exercício de
compromisso entre aquilo que desejo artisticamente e a realidade em que posso
trabalhar.
Sade Risku | Sendo este um dos meus primeiros trabalhos
enquanto coreógrafa, não posso dizer que tenha já uma metodologia de trabalho
própria. Por tal motivo, encarei este projecto como uma plataforma de procura e
de observação, um mecanismo para encontrar essa mesma metodologia. A surpresa
de ter que iniciar uma criação de raiz, na condição de coreógrafa, foi por si
só um mecanismo que me arrancou da minha zona de conforto. Tentei relembrar
instrumentos que outros criadores usaram em processos onde estive enquanto performer, adaptando-os ao contexto
actual. O programa deu-me liberdade para poder experimentar sem ter que fazer
demasiadas previsões em relação ao objecto final, permitindo-me trabalhar a
evolução natural dos materiais de forma intuitiva.
Jorge Gonçalves | O convite do BCN e do Dinis Machado
para a concepção de um solo teve premissas definidas: ser uma transmissão de
uma prática discursiva para um corpo em que não existe adereços, cenografia,
figurinos e desenho de luz, num solo que deverá ter a flexibilidade de poder ser
apresentado em qualquer espaço e com uma duração que deverá rondar os dez
minutos. Dentro deste formato, eu e o Dinis tivemos carta branca para imprimir
uma dramaturgia que se foi desdobrando a partir da rotina diária que tivemos no
estúdio. Respondendo ao rigor do formato, o processo de trabalho incidiu sobre
as performatividades inerentes à recepção da transmissão das práticas de
movimento do Dinis e o que estas produziam por si próprias na duração do solo.
Renata Portas | Entendi este projecto como um desafio, uma
deslocação do que habitualmente faço, porque estou profundamente enraizada no
teatro, não só como algo que faço, mas
como algo que sou (o maldito
relativismo da época em que vivemos...). Ao fim da primeira semana de
ensaios, percebi que, ao alterar o modo de ensaiar, não se altera o modo de
pensar; quanto muito, perdemos o pé, por estarmos em águas desconhecidas...
Susana Otero | Interessam-nos criadores que tragam metodologias
de trabalho totalmente novas. O processo é tão mais enriquecedor quanto mais
nos permitirmos a reflectir e a pôr em causa o nosso próprio modo operativo. E
desse diálogo criam-se novas incertezas. E novas certezas também. É muito
parecido com um grande caos que se equilibra entre pequenas tensões.
Flávio Leihan | Por norma, enquanto artista, não me exponho
dessa forma, nem deixo que interfiram a esse nível. Digamos que é algo
completamente fora do meu método e processo de trabalho. Não faz parte da
"verdade" recorrente que procuro na arte, daí ter uma
necessidade constante de trabalhar com pessoas com alguma especificidade, e com
elas fortalecer um universo novo para mim. Ou seja, não sinto que este programa
tenha alterado algo. Mas sinto, contudo, que consegui fazer o shift e não criar um problema à proposta
inicial do BCN. Para tal, o processo consubstanciou-se numa experimentação de
diversas ferramentas e métodos para testar possibilidades de materialização,
não só de ideias, mas de “ideais”.
Rogério Nuno Costa | Não creio que o objectivo do programa seja
“mudar” as pessoas e/ou as suas práticas nesse sentido tão literal. Quanto
muito, trata-se de uma proposta de contaminação e consequente re-definição dos
nossos imaginários, que muitas vezes funcionam como ditaduras auto-impostas. É
mesmo preciso “sair da caixa” de vez em quando, não para a destruir, mas para a
observar, preferencialmente de fora, e assim entendê-la melhor. O mais provável
é que voltemos lá para dentro, no fim. Isso aconteceu-me com o EURODANCE, que criei em 2014 para a
primeira edição deste programa. Fi-lo na condição de coreógrafo, nomenclatura
que me era totalmente estranha. Ainda antes de começar os ensaios, tomei a
decisão de abraçar o jogo subjacente ao convite do BCN, deixando-me flagelar
por um processo que contrariava todos os meus dogmas, a começar justamente pela
recusa do “ensaio” (palavra e acção que abomino), por exemplo. Aprendi que o pânico
é afinal um dos meus melhores amigos! E percebi, no final, que apesar de ter
seguido um processo que entendia como opressor – mesmo que de uma opressão
auto-imposta –, o resultado foi surpreendentemente revelador daquilo que são as
minhas preocupações artísticas e filosóficas. Considero que qualquer artista
deve, esporadicamente, entregar-se a este exercício de “provar do seu próprio
veneno” (eu, por exemplo, neste texto, a responder à minha própria
pergunta...), jamais fazendo coincidir vaidade com propriedade (a intelectual e
todas as outras). Essa estará sempre lá, seja qual for o resultado...
Diogo Mendes | Não posso dizer que tenha saído da minha zona
de conforto porque acho que não tenho uma... Ou talvez a minha zona de conforto
seja não ter uma zona de conforto! A dificuldade do projecto levantou-me algumas
questões de logística de material, essencialmente. Por norma, dou prioridade à
parte criativa em detrimento da técnica, mas neste projecto foi mais complicado.
Sinto que o meu desafio e mudança ocorreram aí.
Susana Otero | Do ponto de vista da direcção e da organização
do projecto, estas criações saem fora da normal metodologia do BCN, daí o nosso
interesse em continuar a desenvolver um formato que exige uma reorganização e troca
constante de papéis, logo, uma negociação e uma flexibilização permanentes.
Começamos por construir em cima de uma base que é igual para todos, com as
mesmas regras; a partir daí, começam as negociações.
Inês Nogueira | É como abrir a porta de casa e convidar outras
pessoas a entrar e a cozinhar à sua maneira. Para tal acontecer, não podemos
ser territoriais, temos que nos deixar des-formatar.
Tudo o que é seguro e previsível não é desafiador, e por isso vejo estas
experiências como momentos de renovação da própria companhia.
Renata Portas | O exercício obrigou a confrontar-me com
coisas que queria falar, mas que normalmente não estão na esfera do que
interrogo no teatro: a pulsão do corpo, um lado mais kitsch da cena, e a ideia do movimento como construção de
algo. Mas não se pode fugir ao que somos. Rapidamente percebi que teria de
trazer para este projecto tudo aquilo que habitualmente convoco: o texto, a
leitura de mesa, a poesia, o estudo, a dimensão maior, o universo sci-fi, a teatralização do
palco e do seu artificio...
Dinis Machado | Eu penso que todos os processos de criação e
de pesquisa, enquanto momentos de encontro com outros artistas e,
consequentemente, com outros modos de fazer e pensar, solidificam-se a partir
de uma dialética entre um discurso e uma prática contínuos e a contaminação que
se opera nesses encontros. Saber navegar esta dualidade sem habitar a total contaminação
acrítica nem a persistência na coerência de uma persona e de um discurso artistico absolutos, parece-me essencial para
a relevância de qualquer proposta que se quer construtiva.
ANTÍTESE.
"Outros Formatos" é um convite para um diálogo, não uma encomenda (no
sentido lato do termo) a criadores. Como é que fizeste a negociação entre a
macro-realidade do programa (e do próprio BCN) e as tuas visões e projecções
iniciais?
Rogério Nuno Costa | A ideia para este texto é dar voz, de uma
forma o mais democrática e "holística" possível, às perspectivas
individuais de cada colaborador em relação ao projecto como um todo, independentemente
do papel desempenhado (coreógrafo, bailarino, director, produtor, supervisor,
escritor, designer de luz/técnico, e todos os possíveis in-betweens). As questões/provocações por mim preparadas (que foram
iguais para todos) pretendem clarificar as especificidades dos processos
criativos de cada colaborador, os obstáculos encontrados, e os resultados
obtidos. O objectivo final é a produção de um texto (este) que condense a
possibilidade de um pensamento colectivo em relação ao programa "Outros
Formatos" e a sua relevância para a actividade do Ballet Contemporâneo do
Norte enquanto companhia de dança
experimental (uma ideia que explorarei num texto futuro...). O meu esforço
editorial foi o de conciliar essas micro-perspectivas com a identidade singular
dos "Outros Formatos", trabalhando todos os elementos em jogo dentro
de um diálogo ficcionado, sem contudo deturpar a verdade das palavras e das opiniões.
E permitindo-me, também, a jogar o jogo, não tanto nessa condição invisível e
maniqueísta d’A Voz da “Casa dos
Segredos”, mas enquanto o repórter que está no terreno sondar as opiniões do
público em relação ao programa. Assim:
Renata Portas | Foi delicado, nalguns aspectos. Por exemplo:
a extensão do espectáculo, ou o ter de confrontar meios para a produção de três
espectáculos, criados de modo completamente individual, a apresentar numa só noite.
Durante os ensaios, e à excepção da questão do tempo, raramente me
concentrei nesses aspectos logísticos, ou de produção...
Sérgio Diogo Matias | Inicialmente fui convidado apenas para ser
intérprete de duas peças. Só numa fase mais avançada me foi proposto coreografar
uma peça de 15 minutos. Essa liberdade na troca de estatutos foi muito
enriquecedora. E considero-a progressista no contexto de uma companhia de
dança. Não existe uma definição fixa de locais, ou de papéis a cumprir, mas
antes uma urgência artística de permitir que a estrutura se rearranje consoante
as necessidades específicas de cada projecto. Os próprios “papéis” são
discutidos, as ideias e os objectivos vão sendo redefinidos ao longo do
processo, uma atitude que, a meu ver, enriquece o pensamento e as linguagens
individuais.
Diogo Mendes | No meu caso, senti sempre uma enorme liberdade
(baseada na confiança) para que o meu trabalho individual nunca fosse
questionado ou “preocupante” dentro do trabalho de grupo. Senti que lhe foi
dada a importância que merece, sem nunca constituir uma questão duvidosa que
precisasse de ser negociada, falada exaustivamente e/ou questionada.
Flávio Leihan | Inicialmente senti uma grande dificuldade em
relacionar a minha visão com o método e premissas do programa. Foi complicado
gerir a complexidade plástica que estou habituado a desenvolver nos meus
processos, por exemplo. Por outro lado, posso dizer que aceitei o desafio precisamente
com esse propósito: ver de que forma esta colaboração possibilitaria novos
métodos, perspectivas e conceitos de trabalho. Como exemplo, posso falar da
evolução com que lidei ao abandonar as criações a solo (criador/intérprete) e
retomar a composição coreográfica de grupo.
Sade Risku | Eu gostaria de destacar a presença da
supervisão crítica da Susana e do Dinis ao longo do processo de criação da
minha peça. Foi fundamental, pois fez-me observar no material dimensões que não
eram tão óbvias para mim. Graças a esse diálogo, tornei-me mais consciente das
minhas projecções, sobretudo as sub-conscientes, que considero serem o motor de
qualquer criação.
Susana Otero | Nos últimos anos temos questionado qual o
papel e pertinência de uma companhia de dança no momento actual, o que quer
dizer que andamos em experimentações, tanto nos processos como nas metodologias
de trabalho. Queremos abandonar essa lógica de criação que dita que é sempre o
criador/coreógrafo a impulsionar a realização de um novo trabalho; quisemos
experimentar, por exemplo, como é que pode um grupo de intérpretes, todos eles
também criadores, constituir a força motriz e o impulso inicial. Esta quase
redução do poder do coreógrafo como força produtiva preponderante aumentará o
nivelamento hierárquico do processo criativo, tornando-o mais horizontal, assim
integrando todos os agentes envolvidos num processo de diálogo.
Inês Nogueira | Qualquer projecto tem um impacto transformador
a nível pessoal. Principalmente este, que inclui tantas pessoas diferentes a
pensarem de maneiras distintas. É preciso saber lidar com esse impacto e é
preciso envolver toda a gente numa proporção directa entre aquilo que elas
querem fazer e aquilo que nós queremos que seja o “Outros Formatos II”: uma
porta aberta.
Dinis Machado | Propus ao BCN co-produzir este solo do Jorge
Gonçalves como uma peça comum a dois programas: o meu projecto de longa duração
“BARCO Dance Collection” e os “Outros Formatos”. Trata-se aqui da criação de um
espaço de intercepção de vontades, projectos, metodologias e meios. Cruzar
discursos parece-me particularmente feliz quando se chega a uma partilha de
metodologias e à criação de novas formas de fazer em conjunto.
Jorge Gonçalves | Esta inversão de papéis, em que o performer convida o coreógrafo para
produzir um solo, envolve um conjunto de projecções, vontades e
responsabilidades que é necessário questionar para existir um enquadramento do
que poderá ser a proposta para o solo. Os primeiros ensaios consistiram na elaboração
da equação do encontro entre mim e o Dinis, e daí partimos para uma proposta
situada no discurso crítico de cada um para um lugar coreográfico por vir.
Dinis Machado | Criar este contexto, para depois exilar-me no
papel de bailarino, é reclamar uma discursividade muito negligenciada. É
problematizar também esta ideia de que só um "intérprete criador” tem uma
posição activa no processo criativo, descurando a possibilidade de agência e de
autoria de um intérprete que administra e metaboliza os materiais de um outro.
Há muito de autoria e discursividade activa no deixar-se permear e outrar-se por materiais fora de nós. Na
dança, como na vida, celebrar uma administração do eu mais permeável parece-me
um bom caminho alternativo a uma hegemonia do masculino.
SÍNTESE. "Outros Formatos" é
também um desafio auto-imposto pelo próprio Ballet Contemporâneo do Norte no
sentido de reformular e reconsiderar (novos) formatos de colaboração,
estabelecendo ligações com uma comunidade de artistas profissionais. Como
enquadras a importância artística e profissional desta experiência no contexto
do teu trabalho?
Susana Otero | Essa auto-imposição de um desafio de
experimentação conduz-me primeiramente a um maior conhecimento profissional. À
pergunta “Como é que esta pessoa trabalha?” faço sempre suceder uma outra: “É
possível fazer de forma diferente?”. A experiência tem-me dito que sim. Práticas
divergentes enriquecem o património artístico. Ao invés de impor um trabalho, o
criador convida os intérpretes a conhecer um modo de gerar um movimento
coreográfico, por exemplo.
Diogo Mendes | Acho que os “Outros Formatos” não mudaram a
minha relação para com o meu trabalho, mas antes a minha perspectiva pessoal
sobre o que é, ou pode ser, um criador. Qual a relação entre intérprete e intérprete-criador.
De que forma os novos criadores (seja
lá o que isso for) se adaptam a novos desafios. O formato deste projecto teve
mais impacto em mim enquanto observador de um processo criativo do que
propriamente como desenhador de luz.
Dinis Machado | Parece-me muito interessante que esta edição
tenha uma grande alternância de papéis. Alguém é intérprete numa peça, é
coreógrafo noutra, faz o som de uma terceira, e dá feedback em mais três. Esta provisoriedade de papéis advém da
demolição da sua função hierárquica, propondo a sua reconstrução como “frame”
de posições complementares. A circulação dos papéis traz consigo, aliás, um
exercício de deslocamento muito pertinente na forma como propõe uma constante
metabolização de um discurso e metodologias a diferentes perspectivas e
necessidades.
Jorge Gonçalves | Estes programas são raros, dada a sua
inexistência no contexto português. São importantes porque inferem numa
política cultural que privilegia mais as relações que se estabelecem dentro de
uma comunidade artística, ao invés de valorizar o capital de um único artista.
Pessoalmente, o tempo e espaço proporcionado pelos “Outros Formatos” foi
valioso. Optei pela desaceleração do processo artístico no estúdio, em direcção
a algo que fosse produzido pelo arco temporal do encontro artístico com o
Dinis.
Sérgio Diogo Matias | Este é um projecto que arrisca e que faz os
artistas arriscar. Foi muito importante para a fase da carreira de intérprete e
criador de dança em que me encontro. A troca de linguagens, papéis, lugares e
vontades fez brotar discussões, ideais, éticas e estéticas, num espaço/atelier
de negociação artística constante. O projecto funcionou como uma reunião de
artistas que todos os dias (se) experimentam, num ambiente muito Diaghileviano, com várias peças a serem
discutidas ao mesmo tempo...
Flávio Leihan | Ao nível da construção de pensamento, e por
causa do acompanhamento que tivemos, este projecto trouxe-me novas questões,
enigmas e estados. E isso fez com que eu tivesse dado especial atenção ao meu discurso.
Levo o desafio como uma experiência “diversificada”. Retenho, acima de tudo, a
boa experiência em compor com criadores oriundos de outras áreas
artísticas e trabalhar com as suas diversas competências profissionais
sobre o tema por mim proposto. Creio ter conseguido desenvolver uma nova
consciência espacial e, acima de tudo, à relação entre a massa dos corpos num
universo em plena mutação, na qual apresento a ideia de “olho de peixe”.
Renata Portas | Ainda que pareça uma contradição em relação
às respostas anteriores, considero este trabalho bastante pertinente no meu
corpo de trabalho. Porque me obrigou a (re)definir ou a (re)formular conceitos,
a explorar novas formas de interrogar velhas e novas questões. Porque pela
primeira vez, em anos, não tive léxico gramatical suficiente para os performers. Porque tive de reduzir o tempo
de ensaio e o tempo de cena (quem me conhece sabe o quão difícil isto é...). Porque
colaborei com uma equipa não escolhida por mim. Foi, portanto, um exercício de
"democracia", imposto a um trabalho (o meu) que é bastante autoral e
ditatorial.
Inês Nogueira | É difícil, agora que o projeto chega ao fim,
perceber efectivamente o que é que ele nos trouxe. Em termos de produção,
quanto maior é uma equipa, maior é o desafio em mantê-la coesa. Seja pelas
diferenças de personalidade ou pelas diferenças de metodologia, o desafo nunca
pode passar por reduzi-las, mas antes legitimá-las e melhorar a colaboração.
Sade Risku | Trabalhar com o Ballet Contemporâneo do Norte
constituiu também uma oportunidade para descobrir, na condição de estrangeira,
a realidade da dança contemporânea Portuguesa. Artisticamente, isto foi muito
importante para mim. Tive um contacto directo com um grupo muito heterogéneo de
artistas e participei das suas visões, dos seus desejos e questionamentos.
Tentei ser honesta com o programa, colocando a investigação e a experimentação no
centro de todas as atenções, sem contudo descurar a produção de um objecto
final. Aliás, esse objecto só existe, e só pode ser lido, na relação com o
processo que lhe deu origem.
Rogério Nuno Costa | Na verdade, esse processo não terminou.
Continua neste texto. Nesta publicação. Na relação que queremos estabelecer com
o público antes e após a apresentação dos resultados. Como disse, estas palavras
não foram escritas por essa Voz
autoral, big brotheriana, que defende um programa (ou lhe justifica as
vicissitudes); estas palavras são a voz
de todos os que deram forma (e formato) aos “Outros Formatos”, entregues ainda,
neste momento de escrita, ao processo de experimentação de novas (e velhas!)
formalizações para a produção de sentido e de pensamento em relação às suas
ideias e às suas criações. Consequentemente, este texto (e esta publicação),
constitui mais um dos formatos experimentais que o BCN decidiu hibridizar,
questionando a importância e o lugar dos programas, das folhas de sala, dos
catálogos e restante literatura avulsa no campo lexical do espectáculo
contemporâneo.
META-TESE. Ao convidar um grupo de
artistas a testar os limites das suas metodologias e da sua capacidade (e
vontade) em cooperar e negociar, mais do que deles esperar um resultado (ou
um formato) específicos, "Outros Formatos" revela uma missão que
é mais ética que estética. Em que medida é que este projecto
questionou a tua ética (a profissional e a pessoal)?
Dinis Machado | Eu não vejo essa missão como mais ética do
que estética; penso sempre que as duas disciplinas (Ética e Estética) avançam
em simultaneidade na produção artística. As dinâmicas de um processo de ensaios
transpiram na dramaturgia estética de um espectáculo. Se um coreógrafo está
numa trip de agressividade
egocentrada com os restantes colaboradores (e isto foi um clássico durante
décadas), essa violência vai-se sedimentar no trabalho final, mesmo que ele ou
ela não o queiram. Parece-me que este “Outros Formatos” dá um passo em frente
num discurso que o BCN tem vindo a propor, e que vai no sentido de olhar o
coreógrafo como um dos papéis na produção de um espectáculo e,
simultaneamente, tornar evidente a importância e a agência dos outros papéis na
sua construção. Nivelar poderes. Porque um espectáculo é um organismo vivo.
Cuidar da saúde e das dinâmicas de uma equipa é cuidar de forma consistente de
uma dramaturgia ética estrutural, e tornar seguro que a ética e estética de um
trabalho estão num lugar de negociação política que todos devem subscrever.
Susana Otero | Existe uma série de pressupostos basilares
dentro da profissão que sabes que são permitidos e que não são permitidos, e
partes do princípio que são do conhecimento e aceitação gerais, como por
exemplo a segurança física e mental, a honestidade e a verdade, o empenho
pessoal, etc. São pontos que, por norma, não são o foco de atenção. Mas neste
formato, essas questões foram elencadas e reavalidadas. Daí que, seja qual for
o resultado “estético” que este programa irá mostrar (e é variado) o diálogo
maior foi/será sobre questões éticas. Reunir e discutir com honestidade
intelectual é já uma estética num
plano mental e isso, por si só, é belo.
Rogério Nuno Costa | Foi nesse sentido que fiz a separação
estritamente “teórica”, na pergunta, entre ética
e estética (com letra pequena, pois
não me estou a referir às disciplinas do pensamento). É que parece-me que a
dimensão lúdica e relacional do programa “Outros Formatos”, assim como a sua
missão “experimentalista” e, sem medos!, conceptual, é de tal modo complexa e
exigente, que começa por colocar o colaborador num posicionamento de
compromisso permanente entre aquilo que ele quer fazer, individualmente, para o
seu projecto, e o contributo que ao mesmo tempo lhe é pedido para a construção
da identidade global do programa. Isto não é necessariamente “mais ético” do
que “estético”, mas coloca-me, como me colocou quando experimentei o jogo em
2014, na posição de me questionar permanentemente sobre os limites da minha
liberdade (a artística e todas as outras), sobre a distinção entre autoria e
autoridade (ainda que a etimologia seja coincidente em ambas as palavras), no
fundo, sobre a possibilidade da minha ética
constituir, indestrinçavelmente, a minha estética.
Sérgio Diogo Matias | Penso que qualquer experiência põe sempre à
prova a nossa ética. Aquilo que defendo artisticamente também passa pela forma
como lido com o outro, e o outro faz parte integrante da obra. No entanto, é
fundamental estabelecer a diferença entre a pessoa
social e a pessoa-artista. Dentro
do estúdio, defendo que, em primeiro lugar, estão as relações artísticas e o
propósito do trabalho, em detrimento de estados de tristeza ou de insegurança que
possam vir de fora, por exemplo.
Sade Risku | Sim, a minha ética pessoal e profissional
foram postas à prova de uma forma que eu não esperava... Tem que haver duas
pessoas (ou mais) para existir cooperação, e não há negociação possível em
função do que se quer para o projecto sem haver cooperação. Durante o processo,
dei por mim a questionar-me sobre isto muitas vezes: quando é que existe
cooperação, e se existe verdadeiramente, se não se trata apenas de um simulacro
de cooperação, e como posso eu (continuar a) cooperar em situações de atrito?
Renata Portas | Esse questionamento aconteceu algumas vezes, sim.
Perante o facto de não ter mais liberdade para escolher quem me acompanha (no
lado da documentação e do registo, por exemplo), ou na estranha condição de ter
de explicar, vez ou outra, aos colaboradores, que ética, para nós, é o relógio
medido ao segundo, por exemplo. A divisão entre quem cria e quem paga poderia
ser um entrave ao estabelecimento da tua própria ética de trabalho. Felizmente,
tal não aconteceu.
Flávio Leihan | Sinto que esta missão teve altos e baixos. A
minha viagem foi em espiral.
Diogo Mendes | Não sinto que a minha ética (tenho-a bem
solidificada...) tenha sido testada neste contexto. Porém, e como já disse, foi
interessante estar no lugar de observador a assistir a um processo que, no que
à ética diz respeito, deu muito sumo...
Jorge Gonçalves | É de uma necessidade extrema que os projectos
envolvam uma não-hierarquização da cena artística da comunidade vigente, mas antes
um agenciamento de responsabilidades em que o valor atribuído seja um modo de
fazer conjunto, que é discutido e negociado dentro de uma comunidade
temporária. O BCN, com este modelo, e dada a sua inconformidade com o regime de
visibilidade das artes performativas em Portugal, parte de uma premissa ética.
Só isto já propõe um enquadramento estético do que está por vir.
Inês Nogueira | Em qualquer projecto há uma responsabilidade
pessoal e profissional de salvaguardar o público, atender às expectativas dos
participantes e aos requisitos da nossa estrutura. Conseguir esse equilíbrio é
que é o verdadeiro teste deste projecto. Num contexto artístico, ética tem que corresponder a um
compromisso comum em transformar a consciência e a sensibilidade do público,
dando forma a um conceito de responsabilidade social.
Susana Otero | Numa época de desconfiança instalada, é
difícil convencer alguém a abraçar um formato instável, de constante mutação e
risco... Foi muito bonito o que produzimos. Obrigada.
OUTROS FORMATOS, OTHER QUESTIONS
Virtual chat moderated by Dinis
Machado, Diogo Mendes, Flávio Leihan, Inês Nogueira, Jorge Gonçalves, Renata
Portas, Rogério Nuno Costa, Sérgio Diogo Matias, Sade Risku e Susana Otero, with their
participation and edited by Rogério Nuno Costa.
THESIS. "Other Formats" challenges artists (not necessarily
choreographers) to question their production modes and their artistic
methodologies. How did you allow the essence of this program to alter your
creation patterns, your most insistent commonplace places, your comfort zones?
Rogério Nuno Costa | This dialogue,
which is also a delayed interview and a fleeting and almost impulsive exchange
of impressions (via e-mail), is as experimental as the Ballet Contemporâneo do
Norte program on which it focuses. It proposes a textual paradox that interests
me and has attended (almost) all my contributions as a documentary in the
context of this company: the fictionalization of a "real"
conversation through the processional extension of its virtuality, perhaps of
its impossibility. Or about the challenges and obstacles to the creation, and
later textualization, of a collective thought. In this context, I am interested
in the radicalization of provocative processes
(the choice of this word is not innocent...) that underpin any discussion.
Consequently, I am interested in the contradictions and inconsistencies
underlying an experience "tectonically" inhabited by very different
people, raising the inevitability of failure and friction to a sublimation that
obliterates that Instagram filter called success
(it’s cosmetic, it doesn’t exist!). In no case whatsoever "things will
always work well", theoretical impossibility that becomes the raison d'être of any laboratory program
that has at risk its structural basis. And this is the paradox of this text,
also the "Other Formats" program - to understand how (and if) we can
discuss together, even when we are just talking to ourselves...
Sérgio Diogo Matias | It is almost
impossible not to be affected by the characteristics of this project. In spite
of my choreographic proposal rises from a very specific site, I have always
been trying to smooth out the edges of my desires and impulses in order to
respect the character of the project, especially with regard to the time of
creation, the technical conditions and, obviously, the people I worked with. I
was able to experience this exercise in the roles of choreographer and dancer,
understanding the creative act as an exercise in compromise between what I
desire artistically and the reality in which I can work.
Sade Risku | This is one of my
first works as a choreographer, I can not say that I’ve already have a
methodology of my own. For this reason, I consider this project as a search and
an observation platform, a mechanism to find that methodology. The surprise of
having to start a creation from scratch, as a choreographer, was in itself a
mechanism that ripped me out of my comfort zone. I have tried to remember
instruments that other creators have used in processes where I have been as a
performer, adapting them to the current context. The program gave me the
freedom to experiment without having to make too many predictions about the
final object, allowing me to work intuitively the natural evolution of
materials.
Jorge Gonçalves | The invitation
from BCN and Dinis Machado for the design of a solo had definite premises: to
be a transmission of a discursive practice for a body in which there is no
props, scenography, costumes and light design, in a soil that should have the
flexibility to be presented in any space and with a duration that should be
around ten minutes. Within this format, Dinis and I had freedom to print a
dramaturgy that was unfolding from the daily routine we had in the studio.
Responding to the accuracy of the format, the work process focused on the
performativity inherent in receiving the transmission of Dinis movement
practices and what they produced on their own in the duration of the solo.
Renata Portas | I understood this
project as a challenge, a displacement of what I usually do, because I am
deeply rooted in theater, not only as something I do, but as something that I
am (damn the relativism of the time in which we live in...). At the end of the
first week of rehearsals, I realized that by changing the way of rehearsing,
the way of thinking does not change; At most, we lose our foot, because we are
in unknown waters...
Susana Otero | We are interested
in creators who bring totally new work methodologies. The process is more
enriching the more we allow ourselves to reflect and question our own mode of
operation. And from that dialogue new uncertainties are created. And new
certainties too. It is very much like a great chaos that balances between small
tensions.
Flávio Leihan | As a rule, as an
artist, I do not expose myself in this way, nor do I let them interfere at that
level. Let's say it's something completely outside my method and work process.
It is not part of the recurring "truth" I seek in art, hence I have a
constant need to work with people with some specificity, and with them to
fortify a new universe for me. That is, I do not feel that this program has
changed anything. But I feel, however, that I have been able to shift and not create a problem with the
BCN's initial proposal. For this, the process consubstantiated in an
experimentation of diverse tools and methods to test possibilities of
materialization, not only of ideas, but of "ideals".
Rogério Nuno Costa | I do not believe
that the aim of the program is to "change" people and / or their
practices in such a literal sense. At most, it is a proposal of contamination
and consequent re-definition of our imaginaries, which often work as
self-imposed dictatorships. It is necessary to "get out of the box"
every now and then, not to destroy it, but to observe it, preferably from the
outside, to understand it better. Most likely we'll get back in later. This
happened to me with EURODANCE, which I created in 2014 for the first edition of
this program. I did it as a choreographer, a nomenclature that was totally
foreign to me. Even before the rehearsals began, I made the decision to embrace
the game underlying the invitation of BCN, leaving me to be plagued by a
process that contradicted all my dogmas, starting with the refusal of the
"rehearsal" (word and action I abhor) , for example. I learned that
panic is after all one of my best friends! And I realized in the end that
despite having followed a process that I understood as oppressive – even a
self-imposed oppression - the result was surprisingly revealing of what my
artistic and philosophical concerns are. I consider that any artist should
sporadically give himself up to this exercise of "proving his own
poison" (Me, for example, in this text, answering my own question...),
never making vanity coincide with property (intellectual and all others). This
will always be there, whatever the result...
Diogo Mendes | I can’t say that
I’ve left my comfort zone because I do not think I have one... Or maybe my
comfort zone is not having a comfort zone! The difficulty of the project raised
me some issues of material logistics, essentially. As a rule, I give priority
to the creative part in detriment of technique, but in this project it was more
complicated. I feel that my challenge and change have occurred there.
Susana Otero | From the direction
and organization point of view of the project, these creations go beyond the
normal methodology of BCN, therefor our interest in continuing to develop a
format that requires a constant reorganization and exchange of roles, thus
permanent negotiation and flexibility. We start by building on a foundation
that is the same for all, with the same rules; From then on, negotiations
begin.
Inês Nogueira | It's like opening
your house front door and inviting others to come in and cook in their own way.
For this to happen, we can not be territorial, we must let ourselves be
de-formatted. Everything that is safe and predictable is not challenging, and
so I see these experiences as moments of renewal of the company itself.
Renata Portas | The exercise
forced me to confront myself with things I wanted to talk about, but which are
not normally in the sphere of what I am asking in theater: the drive of the
body, a more kitsch side of scene,
and the idea of movement as a construction of something. But you can’t escape
what you are. I quickly realized that I would have to bring into this project
everything I usually call it: the text, the table
reading, poetry, study, the larger dimension, the sci-fi universe, the theater
stage and its artifice...
Dinis Machado | I think that all
the processes of creation and research, as moments of encounter with other
artists and, consequently, with other ways of doing and thinking, solidify
themselves from a dialectic between a continuous discourse and practice and the
contamination that operates on those meetings. Knowing how to navigate this
duality without inhabiting the total uncritical contamination or persistence in
the coherence of an absolute persona and artistic discourse seems to me
essential for the relevance of any proposal that is constructive.
ANTITHESIS. "OUTROS FORMATOS" is an invitation to a dialogue,
not an order (in the broadest sense of the term) to creators. How did you
negotiate between the macro-reality of the program (and BCN itself) and your
initial views and projections?
Rogério Nuno Costa | The idea for this
text is to give the most democratic and "holistic" possible voice to
the individual perspectives of each collaborator in relation to the project as
a whole, regardless of the role played (choreographer, dancer, director,
producer, supervisor, writer, light/technical designer, and all possible
in-betweens). The issues/provocations I have prepared (which have been the same
for everyone) seek to clarify the specificities of each employee's creative processes,
the obstacles encountered, and the results achieved. The final objective is to
produce a text that condenses the possibility of a collective thinking in
relation to the "Outros Formatos" program and its relevance to the
activity of Ballet Contemporâneo do Norte as an experimental dance company (an
idea that I will explore in a future text...). My editorial effort was to
reconcile these micro-perspectives with the unique identity of the "Outros
Formatos", working all the elements involved in a fictional dialogue,
without, however, misrepresenting the truth of words and opinions. And allowing
me, too, to play the game, not so much in this invisible and manichean
condition of “A Voz”, the voice of the House of Secrets TV show, but as the reporter
in the street asking public's views on the show. Like this:
Renata Portas | It was delicate,
in some ways. For example: the extension of the show, or having to confront
means for the production of three shows, created in a completely individual
way, to present in a single night. During rehearsals, and with the exception of
the question of time, I rarely concentrate on these logistical aspects, or on
production...
Sérgio Diogo Matias | Initially, I was
invited to be a two-piece dancer. Only at a later stage it was proposed to
choreograph a 15-minute play. This freedom in the exchange of statutes was very
enriching. And I consider it progressive in the context of a dance company.
There is no fixed definition of places or roles to play but rather an artistic
urgency to allow the structure to be rearranged according to the specific needs
of each project. The "roles" themselves are discussed, ideas and
objectives are redefined throughout the process, an attitude that, in my view,
enriches individual thinking and languages.
Diogo Mendes | In my case, I
always felt a huge freedom (based on trust) so that my individual work was
never questioned or "worrisome" within group work. I felt that it was
given the importance it deserved, without ever being a dubious question that
needed to be negotiated, spoken in detail and/or questioned.
Flávio Leihan | I initially felt a
great difficulty in relating my vision to the method and assumptions of the
program. For instance, it was complicated to manage the plastic complexity that
I'm used to develop in my processes. On the other hand, I can say that I
accepted the challenge precisely for this purpose: to see how this
collaboration would enable new methods, perspectives and concepts of work. As
an example, I can talk about the evolution with which I dealt with abandoning
solo creations (creator/performer) and resuming the group choreographic
composition.
Sade Risku | I would like to
highlight the presence of the critical supervision of Susana and Dinis
throughout the process of creating my play. It was crucial because it made me
observe in the material dimensions that were not so obvious to me. Thanks to
this dialogue, I became more aware of my projections, especially the
subconscious ones, which I consider to be the engine of any creation.
Susana Otero | In recent years we
have been questioning the role and relevance of a dance company at the present
time, which means that we are experimenting, both in processes and work methodologies.
We want to abandon the logic of creation that dictates that it’s always the
creator/choreographer who encourage the performance of a new work; We wanted to
experiment, for example, how can a group of interpreters, all of them also
creators, constitute the driving force and the initial impulse. This almost
reduction of the power of the choreographer as a preponderant productive force
will increase the hierarchical leveling of the creative process, making it more
horizontal, thus integrating all the agents involved in a process of dialogue.
Inês Nogueira | Any project has a
transformative impact on a personal level. Especially this one, which includes
so many different people thinking in different ways. We must be able to deal
with this impact and we must involve everyone in a direct proportion between
what they want to do and what we want "Outros Formatos" to be: an
open door.
Dinis Machado | I proposed to BCN
to co-produce this solo by Jorge Gonçalves as a common part of two programs: my
long-term project "BARCO Dance Collection" and "Outros Formatos". This is the
creation of a space of interception of wills, projects, methodologies and
means. Crossing speeches seems to me particularly happy when it comes to
sharing methodologies and creating new ways of doing things together.
Jorge Gonçalves | This inversion of
roles, in which the performer invites the choreographer to produce a solo,
involves a set of projections, wishes and responsibilities that it is necessary
to question in order to exist a framework of what could be the proposal for the
solo. The first rehearsals consisted in elaborating the equation of the
encounter between Dinis and myself, and from there we started to a proposal
placed in the critical discourse of each one for a choreographic place to come.
Dinis Machado | To create this
context, and then to exile myself in the role of dancer, is to claim a very
neglected discursiveness. It is also to problematize this idea that only a
"creative interpreter" has an active position in the creative process,
neglecting the possibility of agency and authorship of an interpreter who
manages and metabolizes the materials of another. To let oneself permeate and
to surrender by materials outside of us in dance, as in life, celebrating an
administration of the most permeable self seems to me a good alternative route
to a hegemony of the masculine.
SYNTHESIS. "Outros Formatos" is also a self-imposed challenge
by Ballet Contemporâneo do Norte itself to reformulate and reconsider (new)
forms of collaboration, establishing links with a community of professional
artists. How do you fit the artistic and professional importance of this
experience in the context of your work?
Susana Otero | This self-imposition
of a challenge of experimentation leads me first to greater professional
knowledge. To the question "How does this person work?" I always
succeed another: "Is it possible to do differently?" Experience has
told me yes. Divergent practices enrich the artistic heritage. Instead of
imposing a work, the creator invites the interpreters to know a way to generate
a choreographic movement, for example.
Diogo Mendes | I think "Outros
Formatos" have not changed my relationship to my work, but rather my
personal perspective on what is, or can be, a creator. What is the relationship
between interpreter and interpreter-creator. How new creators (whatever that
may be) adapt to new challenges. The format of this project had more impact on
me as an observer of a creative process than as a light designer.
Dinis Machado | It seems to me
very interesting that this edition has a great alternation of roles. Someone is
an interpreter in one piece, a choreographer in another, makes the sound of a
third, and gives feedback in three more. This provisional roles comes from the
demolition of its hierarchical function, proposing its reconstruction as a
frame of complementary positions. The circulation of papers also brings with it
a very relevant displacement exercise in the way it proposes a constant
metabolization of a discourse and methodologies to different perspectives and
needs.
Jorge Gonçalves | These programs are
rare, given their lack in the Portuguese context. They are important because
they infer in a cultural policy that privileges more the relations that are
established within an artistic community, instead of valuing the capital of a
single artist. Personally, the time and space provided by the "Outros
Formatos" was valuable. I opted for the slowdown of the artistic process
in the studio, towards something that was produced by the temporal arc of the
artistic encounter with Dinis.
Sérgio Diogo Matias | This is a project
that takes risks and makes the artists take risks. It was very important for
the stage of my dance career as an interpreter and creator. The exchange of
languages, roles, places and wishes led to discussions, ideals, ethics and
aesthetics, in a space/atelier of constant artistic negotiation. The project
worked as a meeting of artists that every day experiment, in a very
Diaghilevian environment, with several pieces to be discussed at the same time...
Flávio Leihan | At the level of
thought-building, and because of the accompaniment we had, this project brought
me new questions, puzzles, and states. And that made me pay special attention
to my speech. I take the challenge as a "diversified" experience. I
retain, above all, the good experience in composing with creators from other
artistic areas and working with their various professional skills on the
subject proposed by me. I believe that I have been able to develop a new
spatial awareness and, above all, the relationship between the mass of bodies
in a changing universe, in which I present the idea of "fisheye."
Renata Portas | Although it seems
a contradiction in relation to the previous answers, I consider this work very
pertinent in my body of work. Because it forced me to (re-) define or
re-formulate concepts, to explore new ways of interrogating old and new issues.
For the first time, in years, I did not have enough grammatical lexicon for the
performers. Because I had to reduce rehearsal time and scene time (who knows me
knows how difficult this is...). Because I collaborated with a team not chosen
by me. It was, therefore, an exercise of "democracy", imposed on a
work (mine) that is quite authoritarian and dictatorial.
Inês Nogueira | It is difficult,
now that the project comes to an end, to actually realize what it has brought
us. In terms of production, the bigger a team is, the bigger the challenge is
to keep it cohesive. Whether due to personality differences or differences in
methodology, the challenge can never be to reduce them, but rather legitimize
them and improve collaboration.
Sade Risku | Working with
Ballet Contemporâneo do Norte was also an opportunity to discover, as a
foreigner, the reality of contemporary portuguese dance. Artistically, this was
very important to me. I had direct contact with a very heterogeneous group of artists
and participated in their visions, their desires and questions. I tried to be
honest with the program, putting research and experimentation at the center of
all attention, without neglecting the production of a final object. Moreover,
this object exists only, and can only be read, in relation to the process that
gave rise to it.
Rogério Nuno Costa | In fact, this
process has not ended. It continues in this text. In this publication. In the
relationship we want to establish with the public before and after the
presentation of the results. As I said, these words were not written by this Big Brother voice, who defends a program
(or justifies its vicissitudes); These words are the voice of all those who have
given form (and format) to "Outros Formatos", which are still handed
down to the process of experimentation of new (and old!) formalizations for the
production of meaning and thought in their ideas and creations. Consequently,
this text (and this publication) constitutes yet another experimental format
that BCN decided to hybridize, questioning the importance and the place of
programs, room sheets, catalogs and other literature in the lexical field of
contemporary entertainment.
METATHESIS. By inviting a group of artists to test the limits of their methodologies
and their ability (and willingness) to cooperate and negotiate, rather than
expecting a specific output (or format), "Outros Formatos" reveals a
mission that is more ethics than aesthetics. To what extent has this project
questioned your ethics (professional and personal)?
Dinis Machado | I do not see this
mission as more ethical than aesthetic; I always think that the two disciplines
(Ethics and Aesthetics) advance simultaneously in artistic production. The
dynamics of a rehearsal process transpired in the aesthetic dramaturgy of a
show. If a choreographer is on a ego-aggressive
trip with the other team members (and this was a classic for decades), this
violence will settle in the final work, even if he or she does not want it. It seems
to me that this "Outros Formatos" takes a step forward in a speech
that BCN has been proposing, and that it goes on to look at the choreographer
as one of the roles in the production of a show and simultaneously make evident
the importance and the agency of the other roles in its construction. Level up
powers. Because a show is a living organism. To take care of the health and
dynamics of a team is to consistently take care of a structural ethical
dramaturgy, and to make sure that the ethics and aesthetics of a work are in a
place of political negotiation that everyone must subscribe to.
Susana Otero | There are a number
of basic assumptions within the profession that you know are allowed and not
allowed, and you take for granted that they are of general knowledge and
acceptance, such as physical and mental security, honesty and truth, personal
commitment, etc. These are points that, as a rule, are not the focus of
attention. But in this format, these issues were listed and re-evaluated. Therefor,
whatever the "aesthetic" result is this program will show (and is varied)
the larger dialogue was/will on ethical issues. Gathering and arguing with
intellectual honesty is already an aesthetic on a mental level, and that, by
itself, is beautiful.
Rogério Nuno Costa | It was in this
sense that I made the separation strictly "theoretical", in the
question, between ethics and aesthetics (with small print, for I am not
referring to the disciplines of thought). It seems to me that the ludic and
relational dimension of "Outros Formatos" program, as well as its
"experimentalist" and, without fear!, conceptual mission, is so
complex and demanding that it begins by placing the collaborator in a position
Of a permanent commitment between what he wants to do individually for his
project and the contribution that he is simultaneously being asked to make for
the overall identity of the program. This is not necessarily "more
ethical" than "aesthetic," but it puts me, as it put me when I
tried the game in 2014, in a position to question myself permanently about the
limits of my freedom (artistic and all others), on the distinction between
authorship and authority (although the etymology is coincidental in both
words), in the end, on the possibility of my ethics indescribably constitute my
aesthetic.
Sérgio Diogo Matias | I think that any
experience always tests our ethics. What I defend artistically also goes
through the way I deal with the other, and the other is an integral part of the
work. However, it is essential to establish the difference between the social
person and the person-artist. Inside the studio, I argue that, in the first
place, there are artistic relations and the purpose of the work, to the
detriment of states of sadness or insecurity that may come from outside, for
example.
Sade Risku | Yes, my personal
and professional ethics were put to the test in a way that I did not expect... There
must be two people (or more) to exist cooperation, and there is no negotiation
possible depending on what you want for the project without cooperation. During
the process, I found myself wondering about this many times: when there is
cooperation, and if it really exists, if it is not just a simulacrum of
cooperation, and how can I (continue) to cooperate in situations of friction?
Renata Portas | This questioning
happened a few times, yes. For instance, I no longer have the freedom to choose
who accompanies me (on the side of documentation and registration, for
example), or in the strange condition of having to explain to employees once
and for all, what ethics for us is the clock measured by the second, for
example. The division between the one who creates and the one who pays could be
an obstacle to the establishment of your own work ethic. Fortunately, this did
not happen.
Flávio Leihan | I feel this
mission has had ups and downs. My trip was spiraling.
Diogo Mendes | I do not feel that
my ethics (I have it solidified...) have been tested in this context. However,
as I have already said, it was interesting to be in the position of an observer
to attend a process that, as far as ethics are concerned, gave a lot to think
about…
Jorge Gonçalves | It is an extreme
need for projects to involve a non-hierarchy of the artistic scene of the
current community, but rather an agency of responsibilities where the value
assigned is a way of doing together, which is discussed and negotiated within a
temporary community. BCN, with this model, and given its disagreement with the
visibility regime of the performing arts in Portugal, starts from an ethical
premise. This alone proposes an aesthetic framework of what is to come.
Inês Nogueira | In any project
there is a personal and professional responsibility to safeguard the public, to
meet the expectations of the participants and the requirements of our
structure. Achieving this balance is what is the true test of this project. In
an artistic context, ethics must correspond to a common commitment to transform
public awareness and sensitivity, giving shape to a concept of social
responsibility.
Susana Otero | In an age of
mistrust, it is difficult to convince someone to embrace an unstable format,
constantly changing and risky ... It was very beautiful what we produced.
Thanks.