7/24/2013

NIL | FLÁVIO RODRIGUES







NIL é o título da minha próxima criação, uma proposta da Companhia Ballet Contemporâneo do Norte, companhia com a qual colaboro como intérprete desde 2009, e que este ano me caberá coreografar. Desenvolvo os meus próprios projectos pluridisciplinares (maioritariamente a solo) desde 2006, interessando-me por abordagens autobiográficas e auto-referenciais, e acreditando que a política do "eu" destapa o pano do mundo que me rodeia. Para NIL, e contrariamente a anteriores projectos, existe um colectivo de intérpretes que irei “manipular” enquanto observador “externo”: o corpo do outro será entendido enquanto potencial escultura multi-referencial, que tenciono conhecer, para poder transformar. NIL será, assim, um bailado (infinitamente) “moderno”, onde o corpo e suas potenciais formas de movimentação serão a matéria primordial. Para me acompanhar no processo de criação, convidei um grupo de cúmplices de outros projectos que de alguma forma me interessa aproximar: Vera Mota (objectos cénicos e figurinos), Daniel Pinheiro (registo audiovisual), Von Calhau (sonoplastia), Rogério Nuno Costa (textos e documentação) e José Capela (acompanhamento e aconselhamento artístico).
Motiva-me para esta criação a necessidade de criar um lugar em branco (essa “utopia”), para onde se emigra pela perfeição, e onde não foram (ainda) criadas estratégias políticas ou formas de sobrevivência pós-capitalistas; escapam-se, porém, do mundo, mas continuam lá, e criam réplicas, quase que pequenos mundos, nunca necessariamente melhores. Pretendo falar de valor, de fim, de escapes, de zonas paradisíacas, de favelas camufladas, de turismo, mas acima de tudo de amor: amor por um Deus às vezes super high, outras super low tech — natural, perfeito, valioso e anárquico. 

Flávio Rodrigues, 2013



There are two ways to live: you can live as if nothing is a miracle; you can live as if everything is a miracle. 

Albert Einstein 


“Nil” podia começar por impor a seguinte ficção: uma equipa de investigadores do Departamento de Física de uma qualquer Universidade ocidental conseguiu provar, afinal, que não há espaço para tudo, e muito menos para todos. E a seguir rebater com a seguinte realidade: os idiotas têm sempre razão. O resultado desta equação-performance é uma reflexão sobre o Fim enquanto resultado mais ou menos directo de uma saturação, mas invertendo os eixos: a matemática de “Nil” não se alicerça em espiritualidades (o nada, o vazio, o vácuo), mas antes numa materialidade unívoca — “Nil” é igual a ZERO. Trata-se, portanto, de uma performance est(ética)mente inaugural, partindo dos estilhaços deixados a solo pela explosão meta-referencial de “Rara: um discurso ingénuo e utópico”, a caminho de um não-lugar preenchido em excesso por um colectivo de intérpretes que será, ao mesmo tempo, hóspede e hospedeiro, matéria (meio) e material (fim): um Bing Bang ao contrário, ou então um arrefecimento global. Através desta implosão bi/polar, “Nil” desenhará a maquete de um País a-referencial e inócuo, onde o tempo toma consciência da sua condição convencional, parando; e onde todas as duplicidades se transformam em triplicidades. É a “alternate version” do universo para onde todos queremos/vamos emigrar: um lugar em suspenso, sem antónimos, sem fricção, sem interrogações nem interrogatórios, sem política; onde o Luxo não é um luxo, onde a Arte (essa sub-categoria do Design) é um mero fetiche decorativo, onde o Ouro é o novo preto; um lugar sem limites, logo, profundamente limitado. “Nil” convida-nos a uma paragem higiénica, não para pensar, não para agir, mas para condenar a nossa existência a uma neutralidade total e absoluta. “Nil” não é um milagre; é uma guerra fria.

Rogério Nuno Costa